Pelo que foi apresentado pelo ministro Fernando Haddad no pronunciamento em rede nacional realizado na noite desta quarta-feira (27), o pacote do governo parece "ruim" e "uma decepção" em relação ao que agentes econômicos esperavam, diz Tiago Sbardelotto, economista da XP.
Uma economia de R$ 70 bilhões (R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026), conforme anunciado por integrantes do governo, poderia garantir a sustentabilidade do arcabouço nos próximos dois anos, segundo Sbardelotto. Ele diz ter dúvidas, no entanto, sobre se as medidas listadas por Haddad no pronunciamento, sem muitos detalhes ainda, chegariam a esse montante.
Para ele, ficou parecendo que o valor de R$ 30 bilhões em 2025, por exemplo, inclui os R$ 25 bilhões já esperados com o pente-fino em benefícios sociais anunciado anteriormente pelo governo. "Não seria uma economia nova e é uma medida que não é estrutural", afirma.
Medidas estruturais poderiam aumentar a sobrevida do arcabouço fiscal em até uns quatro anos, mas, pelo pronunciamento, Sbardelotto diz não enxergar "nada de relevante que possa trazer essa economia de R$ 70 bilhões". "O seguro-desemprego não muda, o abono só muda em 2027 e de forma muito gradual", afirma. "Vai demorar uns três, quatro anos para a mudança no abono entregar uma economia relevante", diz.
“O abono de 2024, por exemplo, é para pessoas que haviam cumprido requisitos necessários para acesso ao benefício em 2022. Como há essa defasagem, mesmo que proceda o valor e a correção pela inflação, como anunciado, só iremos ver o beneficio dessa mudança anos mais à frente”, diz João Leme, economista da Tendências Consultoria.
Para Leme, as mudanças anunciadas de maneira genérica nesta quarta-feira indicam que o governo tem adiante “uma batalha complicada”, na qual “terá de saber bem como usar o seu capital político”.
As alterações na Previdência dos militares e nos “supersalários” do funcionalismo "têm mais dimensão retórica que efetiva para economia de despesas", segundo Sbardelotto. No caso da mudança na Previdência dos militares, ele lembra que uma regra de transição deve ser necessária. "Não é algo que vai trazer uma economia relevante no curto prazo", afirma Sbardelotto.
“As regras que estão sendo discutidas não servem para quem está aposentado e possivelmente não servirão para quem for se aposentar em 2025 ou 2026. É tudo mais para frente”, diz Leme.
O mesmo vale para os supersalários, segundo Sbardelotto. "É uma discussão que já está no Congresso, enfrenta resistência e cuja economia, no melhor dos mundos, é de R$ 1,5 bilhão, não é algo significativo", diz o economista da XP.
A instauração de um limite para o crescimento do salário mínimo é uma medida estrutural boa, mas que tem impacto pequeno no curto prazo, segundo Sbardelotto. "Tende a ser R$ 3 bilhões em 2025 e R$ 11 bilhões em 2026. E praticamente é só isso que nós vemos de estrutural. No fim, não sobra quase nada", diz.
Alguns economistas apontaram que mesmo o ajuste no crescimento do salário mínimo parece de "pior qualidade", se ele considerar apenas a trava de aumento de 2,5%, e não uma regra atrelada às receitas como ocorre para as despesas no atual arcabouço fiscal.
A determinação para que 50% das emendas das comissões do Congresso sejam destinadas, obrigatoriamente, para a saúde pública ajudaria a cumprir o mínimo constitucional de gastos com a área e traria mais flexibilidade para o governo manejar o orçamento, abrindo espaço para futuros contingenciamentos, mas não é, propriamente, uma medida de corte de gastos, mas, sim, um "rearranjo", apontam economistas.
Sbardelotto também diz ter dúvidas sobre se a tributação maior da renda acima de R$ 50 mil teria impacto fiscal suficiente para compensar a isenção de IR para quem ganham até R$ 5.000.
"Tenho dúvidas sobre como isso vai ser feito, se vai ser criada uma nova faixa de tributação. Se for só uma nova faixa de tributação, dificilmente compensaria essa perda, mesmo que criasse uma faixa [com alíquota] de 35%. Para compensar a perda com a isenção até R$ 5.000 seria necessária a criação daquela alíquota efetiva mínima de 12% ou 15%, que estava em discussão", afirma Sbardelotto.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, estima que a mudança da faixa de isenção do IR para rendimentos até R$ 5.000 custaria ao menos R$ 45,8 bilhões. "Esse cálculo é otimista, vale dizer, pois considera que a tabela do Imposto de Renda seria modificada garantindo-se a focalização do benefício apenas aos contribuintes de renda mais baixa", afirma. Ou seja, seu cálculo prevê que serão isentas pessoas que ganham até R$ 5.000, e não os primeiros R$ 5.000 de quem ganha mais do que isso.
Para Salto, "o pacote anunciado tem dimensões inferiores às necessárias para recobrar credibilidade e alcançar equilíbrio fiscal".
Já o economista da Rio Bravo Investimentos José Alfaix afirma que o corte de gastos proposto pelo governo federal está muito alinhado ao que o mercado financeiro esperava, inclusive o valor ancorado de R$ 70 bilhões em dois anos (R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026). Porém, para ele, o anúncio da reforma do Imposto de Renda não foi feito em momento adequado.
“Entendo que era uma proposta de campanha eleitoral, liberar 70% da população brasileira do imposto de renda”, diz. “Porém vejo que o contexto do anúncio é delicado, pois coloca esta iniciativa como uma prioridade neste momento. Acredito que o melhor era ter feito o anúncio meses depois do corte de gastos.”
De acordo com sua análise, até 2026 essa reforma vai ser bem-sucedida e garantirá o funcionamento da máquina pública. Porém, em sua visão, a medida não tem efeito de longo prazo, pois é necessária uma reforma em outros setores.